O Fantasma do Rio da Prata: O Legado do Admiral Graf Spee em Montevidéu
- Fernando Lino Junior
- 29 de jul.
- 6 min de leitura
Nosso seguidor Filipe Fernandes foi até Montevidéu conferir os lugares que ecoam as memórias da lendária Batalha do Rio da Prata — um confronto que não apenas marcou o início da Segunda Guerra Mundial no Atlântico Sul, como também deixou um legado físico e simbólico em solo uruguaio. Nessa matéria, exploramos a história do couraçado de bolso Admiral Graf Spee, sua batalha final, a dramática decisão de seu capitão e, sobretudo, os vestígios ainda preservados que mantêm viva a memória desse gigante de guerra.

O Couraçado de Bolso e Sua Missão no Atlântico
O Admiral Graf Spee foi uma das três embarcações da classe Deutschland, desenvolvidas pela Alemanha no período entre guerras com a intenção de respeitar as limitações impostas pelo Tratado de Versalhes, mas ainda assim criar navios capazes de ameaçar comboios aliados em regiões distantes.
Com 186 metros de comprimento, deslocamento de 16.200 toneladas e armado com seis canhões de 280 mm em duas torres triplas, o Graf Spee era uma combinação de velocidade, poder de fogo e autonomia de cruzeiro — ideal para a guerra de corso. Desde o início do conflito, ele partiu para os mares do sul com a missão de interromper rotas comerciais britânicas, tendo afundado ou capturado nove navios mercantes até dezembro de 1939, sem causar baixas civis ou militares.

A Batalha do Rio da Prata: Emboscada e Retirada
No dia 13 de dezembro de 1939, a Marinha Real Britânica surpreendeu o Graf Spee próximo à foz do Rio da Prata. A força-tarefa britânica, liderada pelo Comodoro Harwood, era composta por três cruzadores: o HMS Exeter, o HMS Ajax e o HMS Achilles. Embora inferiores em poder de fogo individual, os três navios utilizaram táticas de ataque em ângulo para dispersar o poder ofensivo do couraçado alemão.
O confronto foi violento. O Exeter foi gravemente danificado e forçado a recuar. O Graf Spee, por sua vez, sofreu danos consideráveis na superestrutura e nos sistemas de filtragem de óleo, fundamentais para sua autonomia. Com dificuldades crescentes, o capitão Hans Langsdorff conduziu a embarcação ao porto neutro de Montevidéu, onde buscou reparos e tempo para tomar uma decisão.

A pressão diplomática britânica sobre o governo uruguaio foi intensa. Alegando respeito às normas da neutralidade, o país permitiu apenas 72 horas de permanência no porto. A inteligência britânica espalhou deliberadamente informações falsas de que cruzadores pesados estavam a caminho, convencendo Langsdorff de que não havia saída segura. Recusando-se a permitir a captura do navio por forças inimigas e priorizando a vida de sua tripulação, o capitão ordenou a evacuação completa e, em 17 de dezembro de 1939, o Admiral Graf Spee foi afundado por sua própria tripulação diante da costa de Montevidéu.
O Último Ato de Hans Langsdorff
Após o autoafundamento do navio, o capitão Langsdorff e sua tripulação cruzaram o estuário em direção a Buenos Aires. Lá, três dias depois, em 20 de dezembro, Langsdorff cometeu suicídio no Hotel de los Inmigrantes. Enrolado na bandeira da Kriegsmarine, ele deixou uma carta declarando que havia agido de acordo com seu dever de oficial da marinha alemã e em respeito aos homens sob seu comando.

Hoje, Langsdorff é lembrado por muitos como um comandante humano, que buscou preservar vidas em vez de insistir em uma luta perdida. Sua morte e os eventos da batalha ganharam as manchetes dos jornais do mundo inteiro, tornando-se um dos primeiros símbolos trágicos e emblemáticos da guerra.
Lugar Comemorativo: Um Cemitério para os Caídos do Graf Spee
Apesar de o Admiral Graf Spee ter sido deliberadamente afundado fora da costa uruguaia, as perdas humanas durante a Batalha do Rio da Prata foram reais — tanto entre os alemães quanto entre os britânicos. Os marinheiros alemães que não sobreviveram aos combates foram sepultados com honras militares em Montevidéu.
Essas sepulturas encontram-se até hoje no Cemitério del Norte, em uma área conhecida como Lugar Conmemorativo para los Caídos del Crucero de Batalla “Admiral Graf Spee”. Trata-se de um setor dedicado exclusivamente à tripulação do navio, marcado por lápides discretas, um arranjo simétrico e uma cruz memorial. É um espaço silencioso e solene, raramente visitado por turistas, mas ainda mantido em relativo bom estado.
Ali estão enterrados não apenas os mortos do Graf Spee, mas também a memória de um momento em que o sul do continente americano foi arrastado simbolicamente para o centro de um conflito global. A presença dessas sepulturas em solo uruguaio continua a suscitar debates sobre memória, neutralidade e o papel da América Latina na Segunda Guerra Mundial.
Em 2006, uma controvérsia surgiu em relação a um enorme Águia nazista com suástica, retirada do casco do Graf Spee durante operações de resgate. A peça foi armazenada por anos e chegou a ser exibida brevemente, gerando reações contrárias por parte da comunidade judaica e da opinião pública. O destino definitivo desse artefato ainda é alvo de discussão judicial e política no Uruguai.
O cemitério, por sua vez, permanece como um dos vestígios mais discretos — e ao mesmo tempo mais humanos — dessa história. Ao contrário da âncora ou do telêmetro, ali não se exibe tecnologia ou poder bélico, mas sim o custo em vidas de uma guerra travada longe do front europeu.
Remanescentes Preservados: A Âncora e o Telêmetro
Apesar do autoafundamento, o Graf Spee nunca foi totalmente esquecido. A localização relativamente rasa de seus destroços, a poucos quilômetros da costa, permitiu que várias expedições de resgate fossem realizadas ao longo das décadas.
Dentre os artefatos mais impressionantes retirados do fundo do estuário estão:
A Âncora Principal, pesando várias toneladas, hoje preservada e exposta ao ar livre em frente ao Museu Naval de Montevidéu. Seu tamanho e estado de conservação impressionam, funcionando como um poderoso marco físico da presença alemã no Atlântico Sul.
O Telêmetro de 27 toneladas, retirado do alto da torre de comando do navio. Trata-se de um instrumento de precisão óptica usado para calcular distâncias para o disparo dos canhões. Sua aparência futurista e sua escala colossais chamam a atenção de turistas que passeiam pela região do antigo Mercado del Puerto. Exposto ao ar livre, o telêmetro é frequentemente fotografado e serve como símbolo da complexidade tecnológica do navio.
Ambos os objetos representam a face tangível da Batalha do Rio da Prata — não mais armas de guerra, mas relíquias de um tempo que moldou o século XX.
Museu Naval de Montevidéu: Guardião da Memória Naval
Para os interessados em uma visão mais profunda da história naval uruguaia e da Segunda Guerra Mundial no Atlântico Sul, o Museu Naval de Montevidéu é parada obrigatória. Localizado no bairro de Buceo, o museu possui uma rica coleção de objetos, documentos e maquetes.

Além da âncora do Graf Spee, o visitante pode encontrar fragmentos do casco resgatado, peças mecânicas, instrumentos de navegação, fotografias da tripulação e até uniformes da época. Também há seções dedicadas à história da Armada Nacional Uruguaia, explorando temas que vão desde a era colonial até os dias atuais.
O acervo é modesto em tamanho, mas extremamente significativo. Ele ajuda a contextualizar a importância do porto de Montevidéu como local estratégico e diplomático durante a guerra, ao mesmo tempo em que honra a memória dos homens que participaram da batalha.
O Graf Spee Hoje: Entre Memória e Esquecimento
Os restos do Admiral Graf Spee ainda estão parcialmente submersos nas águas turvas do Rio da Prata. Ao longo dos anos, diversos interesses surgiram — desde propostas de reflutuação total até projetos para transformá-lo em museu flutuante. Nenhuma delas prosperou por completo. O custo elevado e a complexidade técnica são apenas parte dos obstáculos. Há também questões diplomáticas, pois os destroços pertencem, tecnicamente, à Alemanha, que jamais demonstrou interesse oficial em seu resgate completo.

Assim, o Graf Spee permanece como um símbolo: parte do navio jaz esquecida sob as águas, outra parte exposta ao público como monumento. Mas seu legado segue vivo — nos memoriais silenciosos, nas peças resgatadas e nas histórias contadas por quem, como Filipe, se aventura a seguir os rastros da história.
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