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Operação Paperclip: quando os EUA recrutaram cérebros nazistas

  • Foto do escritor: Fernando Lino Junior
    Fernando Lino Junior
  • 3 de jul.
  • 4 min de leitura

Ao final da Segunda Guerra Mundial, o mundo celebrava a queda do regime nazista e o fim de um conflito que custou mais de 70 milhões de vidas. No entanto, nos bastidores dessa nova ordem mundial, uma disputa silenciosa e estratégica se desenrolava entre os antigos aliados. De um lado, os Estados Unidos; do outro, a União Soviética. Ambos os blocos sabiam que o próximo campo de batalha não seria apenas militar, mas também científico e tecnológico. Nesse contexto, surgiu uma das operações mais controversas da história: a Operação Paperclip.


A missão, conduzida em sigilo pelas forças americanas, tinha como objetivo capturar e recrutar cientistas alemães que haviam trabalhado para o Terceiro Reich, oferecendo a eles uma nova vida nos EUA — desde que colocassem seu conhecimento a serviço dos interesses norte-americanos. O paradoxo era evidente: ao mesmo tempo que julgavam nazistas em Nuremberg por crimes de guerra, os Estados Unidos acolhiam centenas de especialistas nazistas em laboratórios militares, universidades e centros de pesquisa.


O cientista Wernher von Brau, responsável pelo programa V-2, ao lado de oficiais nazistas.
O cientista Wernher von Brau, responsável pelo programa V-2, ao lado de oficiais nazistas.

As origens da operação


Ainda durante os últimos meses da guerra, agentes da OSS (Office of Strategic Services, precursora da CIA) e do G-2 (inteligência militar do Exército dos EUA) já haviam identificado o potencial científico alemão, especialmente nas áreas de foguetes, aeronáutica, química, medicina e armamentos. A Alemanha, apesar de derrotada, estava anos à frente dos Aliados em determinados campos, como engenharia de propulsão, aerodinâmica, mísseis balísticos e até armamentos guiados.


Com o avanço das tropas aliadas em solo alemão, começou uma verdadeira corrida para encontrar e interrogar esses cientistas. Inicialmente batizada de Operation Overcast, a missão recebeu o nome de Paperclip em referência aos grampos usados nos dossiês dos cientistas, que eram “limpos” de informações comprometedoras antes da aprovação oficial.

A operação ganhou força após agosto de 1945, com o fim da guerra no Pacífico e o início da rivalidade aberta com a União Soviética. Os soviéticos também haviam capturado especialistas alemães e os levado para trabalhar em seus próprios programas de armamento e foguetes. Os EUA não podiam ficar para trás.



Os cientistas por trás da tecnologia americana


O caso mais conhecido é o de Wernher von Braun, engenheiro-chefe do programa de foguetes da Alemanha nazista. Von Braun liderou o desenvolvimento do foguete V-2, a primeira arma balística de longo alcance, que causou destruição em Londres e Antuérpia. Ao final da guerra, ele e sua equipe de mais de 100 cientistas se renderam aos americanos, temendo cair nas mãos dos soviéticos. Após sua chegada aos EUA, von Braun trabalhou em programas de mísseis do Exército antes de ser transferido para a NASA, onde liderou o projeto do foguete Saturn V, que levou os astronautas da Apollo à Lua.


Outros nomes notáveis incluem:

  • Kurt Debus – diretor do centro espacial de lançamentos da NASA em Cabo Canaveral;

  • Hubertus Strughold – considerado o "pai da medicina espacial", embora envolvido em experimentos médicos nazistas;

  • Arthur Rudolph – chefe de produção dos V-2, e mais tarde responsável pelo desenvolvimento do foguete Pershing;

  • Walter Dornberger – general da Luftwaffe e coordenador dos programas de foguetes do Reich.


No total, estima-se que mais de 1.600 especialistas alemães foram levados aos EUA entre 1945 e o início dos anos 1950. Muitos deles trabalharam em locais estratégicos como White Sands Proving Ground, Redstone Arsenal, e no Centro Espacial Marshall, no Alabama.

Diversos dos cientistas alemães recrutados pelo governo dos Estados Unidos.
Diversos dos cientistas alemães recrutados pelo governo dos Estados Unidos.

Ética, silêncio e ocultação

A principal polêmica em torno da Operação Paperclip não reside no uso do conhecimento alemão em si, mas no fato de que muitos desses cientistas tinham ligações diretas com o Partido Nazista, com a SS ou com crimes de guerra. Alguns haviam participado ativamente da exploração de mão de obra escrava em fábricas subterrâneas, como a Mittelwerk, onde prisioneiros do campo de concentração de Dora-Mittelbau produziam os foguetes V-2 em condições desumanas.



Para contornar as barreiras legais e morais, o governo dos EUA recorreu a manipulações documentais. Muitos dos dossiês foram alterados para ocultar vínculos com o nazismo, permitindo que esses homens entrassem nos Estados Unidos sob vistos limpos e até recebessem cidadania americana.


O caso de Arthur Rudolph ilustra bem esse dilema. Em 1984, décadas após ter trabalhado na NASA, ele foi investigado pelo Departamento de Justiça e admitiu seu envolvimento com trabalho escravo durante o regime nazista. Em troca de evitar julgamento, renunciou à cidadania americana e retornou à Alemanha.


Wernher von Brau ao lado do presidente John F. Kennedy.
Wernher von Brau ao lado do presidente John F. Kennedy.

Consequências

O impacto da Operação Paperclip foi profundo. Em termos científicos, não há dúvidas de que esses cientistas aceleraram o desenvolvimento de tecnologias essenciais durante a Guerra Fria. Os programas de mísseis, satélites, espionagem e, mais tarde, a própria conquista do espaço foram diretamente influenciados por esse “recrutamento”. A supremacia tecnológica americana durante as décadas seguintes deve muito à inteligência técnica importada da Alemanha nazista.


No entanto, o custo ético dessa escolha permanece debatido. A aliança entre os EUA e ex-nazistas criou fissuras morais, expôs contradições no discurso humanitário ocidental e deixou marcas no imaginário coletivo. O uso de conhecimento científico obtido por meio da barbárie, como no caso dos experimentos médicos, ainda gera questionamentos profundos: é legítimo usar avanços obtidos por meios desumanos? A ciência pode ser separada de seu contexto histórico e moral?


Wernher von Brau com o presidente americano Truman.
Wernher von Brau com o presidente americano Truman.

A Operação Paperclip é um exemplo emblemático das ambiguidades que surgem quando interesses estratégicos e ideológicos colidem. Em nome do progresso e da segurança nacional, os Estados Unidos escolheram fechar os olhos para o passado sombrio de homens que, até pouco tempo antes, trabalhavam para um regime genocida. O sucesso da operação, em termos científicos e militares, é inegável. Mas ela também serve como alerta de que, em tempos de guerra — mesmo após a guerra —, as fronteiras entre o certo e o conveniente podem se tornar perigosamente tênues.

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