Era o dia 16 de setembro de 1944. No sopé do Monte Bastione, ao norte da cidade italiana de Lucca, na Toscana, um vento gelado já prenunciava os rigores do inverno próximo. Precisamente às 14 horas e 22 minutos foi lançado contra o inimigo nazista o primeiro tiro jamais disparado pela artilharia brasileira fora do continente sul-americano, atingindo com precisão o objetivo previsto: Massarosa. Era o primeiro dos milhares de tiros disparados pela nossa Artilharia Expedicionária, que vieram a expulsar da Itália o nazi-fascismo.
A foto do soldado Francisco de Paula, prestes a carregar o obuseiro 105mm com uma granada onde está escrito: “A Cobra está Fumando”, foi estampada na capa de diversos jornais brasileiros, o que lhe rendeu a fama involuntária de “autor” do primeiro tiro de artilharia da FEB. Contudo, a matéria transcrita nos jornais nacionais foi provavelmente mal traduzida do texto de uma equipe de reportagem norte-americana — talvez visando o sensacionalismo, criando um equívoco que dura quase 70 anos.
Não existe propriamente um “autor” do primeiro tiro de artilharia da FEB. Um tiro de artilharia envolve um conjunto de subsistemas que compreende os observadores avançados, encarregados de localizar os alvos e de transmitir as informações por meio de telefonistas e/ou radio-operadores à central de tiro. Já a central de tiro calcula os elementos de pontaria e os repassa à Bateria de Obuses, onde o oficial Comandante da Linha de Fogo (CLF) os retransmite às peças. Na peça de artilharia, sob o comando de um sargento Chefe de Peça, os serventes cumprem suas missões específicas: o C1 (cabo apontador) realiza a pontaria em direção e o C2 (soldado atirador) o registro da elevação. O final desse processo resulta na ordem de FOGO! com o simultâneo e brusco puxão na corda do mecanismo de disparo, efetuado pelo C2 (soldado atirador). Se consideramos como “autor” do primeiro tiro de artilharia da FEB o responsável pelo disparo da peça, cabe ao Cabo Adão Rosa da Rocha – soldado atirador da 2ª peça, da 1ª Bia do 2º Grupo de Artilharia – a autoria do feito, e não ao soldado Francisco de Paula, cuja foto histórica foi tirada somente no dia 29 de setembro de 1944 – 16 dias após o início dos combates -, conforme a identificação presente na etiqueta original da foto.
Com o término da guerra, em 8 de maio de 1945, Francisco retornou ao Brasil em 18 de julho de 1945. Completou um ano e alguns dias em solo europeu, do qual oito meses foram a serviço direto de sua pátria-mãe, executando aquilo para que fora treinado: libertar da opressão nazista o solo europeu e trazer os louros da vitória para o seu doce e amado Rio de janeiro. Já o Cabo Adão, como tantos companheiros, sofreu na pele o desamparo das Instituições após o retorno, conforme relatou Roberto Graciani em http://www.anvfeb.com.br/adao_rosa_da_rocha.htm , falecendo em 2007, aos 88 anos, no Rio de Janeiro.
A discussão sobre quem efetuou ou não o primeiro disparo é uma questão menor, sem dúvida. O fato mais importante desse evento reside no reconhecimento que os próprios alemães fizeram sobre o poder de fogo da nossa artilharia. Em seus registros consta a nota desanimadora:“Uma nova artilharia revelou-se na frente de combate”. POR DURVAL LOURENÇO PEREIRA (Memorial da FEB)
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